segunda-feira, 25 de julho de 2011

O assalto ao Banco Central e a falácia da “cara de nordestino”


Atenção: tem uma CEARENSE nessa foto

Há poucos dias foi lançado um filme que pretendia relatar o furto ocorrido aqui em Fortaleza no ano de 2005. Esses poucos dias foram suficientes para que os críticos, especializados ou não, enxergassem uma série de falhas na película, sejam de natureza técnica, narrativa ou de pesquisa. (Quem quiser pode ler algumas aqui, aqui e aqui). Fato é que a sra. Antônia Fontenelle, que se define em seu perfil de twitter como atriz, produtora, mãe, esposa e empresária, doeu-se com esse texto assinado pelo crítico Pablo Villaça e resolveu xingar muito no twitter. O problema é que ela começou mal, alegando que Pablo tinha “cara de cearence” (sic). (Para um resumão do imbróglio, aqui vai).
Corta para abril de 2009. Estava então namorando o meu agora marido (doravante Rafa) e pela primeira vez retornava ao Rio, sua terra natal, onde cinco meses antes havíamos nos conhecido. Além da euforia do reencontro após 2 meses sem nos vermos, havia outro evento particularmente especial para nós: o show do Radiohead, que vinha ao Brasil pela primeira vez.
Eu ainda não sabia, mas seria ali, num cantinho da Apoteose, que seria apresentada ao estereótipo “cara de nordestino/cearense/paraíba/baiano”. No meio do show do Kraftwerk, entre luzes lisérgicas capazes de por um epiléptico em crise e espessas nuvens de fumaça de maconha, livremente consumida por inúmeros grupinhos ao nosso redor, passei mal, desmaiei e tive que ser carregada pelo Rafa até o posto médico.
Depois de ser examinada, hidratada, e estar me sentindo melhor, brinquei com o “doutor” gente fina de plantão que tinha que sair logo, pois tinha vindo de Fortaleza pra ver York, Greenwood e companhia e não podia perder o grande show, né. Foi imediato. De supetão, ele levantou a cabeça da maca ao lado onde estava e disparou: “Fortaleza? Mas da onde que você assim branca, sardenta e com esse olho claro pode ser de Fortaleza?”.


Opa, de novo!

De lá pra cá mais de dois anos se foram. Costumo ir ao Rio ao menos uma vez ao mês, alternando com as vindas do Rafa pra cá. Nessas minhas muitas voltas, já me perguntaram, com muita certeza na entonação da voz, se eu era gaúcha/mineira/paulista. Da última feita, estávamos em Búzios quando um casal, após fazer a gentileza de tirar uma foto nossa, mandou um “olha, ele, pelo sotaque, é daqui do Rio, mas você.. só pode ser CURITIBANA né?”.
Em todas as ocasiões ficava entre o divertido e o chateante ver a falta de brilho da decepção no olhar de todos os meus interlocutores quando eu revelava LA BERDÁ (Lucy, te dedico): “Não, sou cearense”. Pior que isso só aqueles que retrucavam, quase em tom de desculpas com um “mas você NÃO TEM CARA DE CEARENSE/NORDESTINA”. E piora ainda mais quando a pessoa, pega com as calças na mão, sai pela tangente com aquela desculpinha esfarrapada muito usada pra negros e homossexuais: “mas olha, acho ótimo, tenho nada contra, trato de igual pra igual, inclusive tem até o primo de uma amiga minha que é também..”.
As situações que relatei até aqui não são exclusividade minha. Sei de um punhado de tantas outras que rolaram com amigos e (des)conhecidos. Se fosse citar todos os exemplos, poderia escrever uma monografia a respeito. Confesso, no entanto, que o que eu queria muito, mas muito mesmo, era saber com que se parece essa tal cara que tanta gente insiste em me dizer que eu não tenho. É cara de gente sofrida, retirante da seca pra tentar a sorte na cidade grande? É um padrão facial braquicefálico, popularmente conhecido como cabeça chata, de preferência num combo com aquele pescocinho curto e grosso que a gente mal nota? É a pele curtida de sol, maltratada pela falta de recursos? Ou é a cara de quem passa o dia vestindo trapinhos étnicos, balançando numa rede enquanto decide se o peixe de hoje vai ser frito ou cozido? (alô Lucy - again - alô Tropicaliente).
No país da miscigenação, querer estabelecer estereótipos baseados em aparência é algo verdadeiramente patético. Só pra lembrar, Nordeste é uma região composta por nove estados com diferentes sotaques, comidas típicas, tradições, dinâmica e economia. E nordestino não é raça, como tantos querem fazer crer.
Me incomoda que a maior e mais influente emissora do país insista em reforçar esses estereótipos, seja com sofríveis chamadas "regionais" veiculadas na nossa região (a última que vi trazia Fernanda Lima soltando um oxe que me deixou toda trabalhada na VA) ou matérias "típicas" em programas de entretenimento, todas embaladas por forró, porque assim como no Rio todos adoram e escutam apenas funk, no NORDESTE só se escuta forró. Ok, na Bahia escuta-se axé, mas há uma corrente de antropólogos que defende também que Bahia não é nordeste.
Depois de mais de dois anos ao lado de um “sudestino” (créditos da expressão ao meu filho Luciano no auge de sua puberdade) já me vi em meio a inúmeras situações de preconceito, geralmente como espectadora, pontualmente como alvo. Algumas vezes me fiz de doida, noutras reagi. Como diz o Rafa, eu não vou consertar o mundo, mas eu ainda sonho com um futuro onde a leitura do livro “A invenção do Nordeste”, do professor Durval Muniz, fosse leitura obrigatória em todos os vestibulares e no ENEM.
Aos que permanecem com a ilusória sensação de superioridade só por causa do seu local de nascimento, vale lembrar que nas viagens aos Estados Unidos ou à Europa, tanto faz se você é da nata carioca da Vieira Souto ou conterrâneo sobralense do Didi Mocó - pra eles, somos todos “aqueles brasileiros”.


Segura, Berenice, que nessa aqui tem é DOIS!

PS: a quem interessar possa, não assisti ao filme. Mas qualquer filme que retrate Fortaleza como uma bucólica cidadezinha de interior com comadres alcoviteiras na janela dando conta da vida alheia (como descrito aqui) não pode merecer meu respeito.

PS2: Muitas reputações já ruiram diante de mim por conta de preconceitos dos mais diversos. Já ouvi de uma moça benquista e conceituada nas twittosferas da vida que Fortaleza é uma cidade ótima, mas pena que a vida das pessoas toda gira em torno da praia, porque não há outras opções, né? Pra arrematar, soltou um “ah, mas você tem que entender que eu moro em São Paulo né?”. SERTO. (sic, com beijos pra Denise Mustafa e Mariana Marques)

10 comentários:

  1. Nota 10!!
    Devo confessar que me falta esta "habilidade" em identificar "caras" de cearenses/nordestinos!

    Já me peguei em diversas situações em que pessoas foram apontadas, por conhecidos, com expressões identificando estas como nordestinos e confesso já ter gastado alguns minutos analisando a fisionomia destes a procura de algo que os identificasse assim. Falhei.

    Como disse, me falta a habilidade que a senhora Fontenelle, atriz, produtora, empresária, mãe, esposa e preconceituosa, foi agraciada!

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  2. Lu seu Blog é ótimo, e desculpa ter que me expressar dessa maneira, mas para essa senhora chamada Antônia Fontenelle, que se auto intitula LADY no twitter, só da pra dizer:

    SE FUDER!

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  3. Olha, uma amiga mandou o link do seu blog. Achei o post perfeito porque nele você diz exatamente aquilo que eu sempre quis dizer, mas sempre deixei pra depois pra evitar mais constrangimento. Vamos combinar que esse papinho de preconceito com nordestinos é VA muita, né?
    Eu só me pergunto porque essa senhora, Lady Antônia Fontenele, das mais distintas da sociedade carioca, 'esposa' de diretor da emissora mais assistida (sinônimo de qualidade indiscutível - sic!) não procura uma terapia para tratar a não aceitação de suas raízes nordestinas (ao que me consta, os familiares dela residem até hoje no sertão do Piauí).
    Somos, aqui e em qualquer lugar do planeta (e até fora dele), BRASILEIROS, amantes dos mais diversos ritmos, fiéis, ou nem tanto, torcedores do Ronaldinho (cansei de ouvir isso enquanto perambulava com minha mochila pela Europa).
    Como podemos querer que o mundo nos admire e respeite se nós mesmos ainda somos tão preconceituosos? E com o pior tipo de preconceito: aquele dissimulado, que se esconde sob máscaras.
    Fim ao preconceito! De toda cor, credo, raça, origem!
    :)

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  4. Obrigada pelo feedback, gente! Como disse a Flávia, a gente vai sempre engolindo essas coisas e, se não bota pra fora, faz mal é pra si mesmo.

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  5. Me identifiquei demaaaais Luisa! Vi seu post atraves d um link q vc mandou pra Ana Lídia. Já aconteceu isso várias vezes comigo tb >/
    á perguntei pra um cara... e o que é cara de cearense mermo? Cadê a coragem dele de assumir o q pensava?

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  6. Adorei seu blog! Parabéns!
    Horrível o comportamento dessa senhora q alem de preconceituosa, é mal informada e mostrou nao ter um mínimo de equilibrio frente às críticas. Infelizmente, todos os dias esse tipo de gente tenta botar a imagem do nordestino p baixo, tenta nos tornar inferiores, acham até q ser cearense é uma ofensa... e vc tem razao temos é q mostrar nossa revolta perante a isso! Eu tenho é orgulho de cearense!

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  7. Não sei dizer se tem cara de nordestina.

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  8. olá Luísa,

    Eu respondi à sua questão no meu blog O Meu Ego, mas coloco aqui na mesma: o POREfessional foi criado só com o intuito de reduzir a aparência de poros (e esta pré-base dura bastante tempo no rosto).

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